terça-feira, 9 de junho de 2009

Somos o resultado de nossas experiências? Até que ponto o ambiente pode determinar quem somos?

Quando nós surgimos? Quando foi nosso primeiro momento?

Poderíamos discutir esse questionamento sob várias abordagens, mas vamos escolher uma agora. Biologicamente, nosso primeiro instante seria o momento da nossa fecundação. Tudo ao nosso redor “conspirou em favor” para esse primeiro encontro, esse primeiro “acerto no alvo”.

Ok. E agora?

Esse “mar” onde estamos imersos desde aquele momento é nosso meio, o ambiente ao redor dos limites do corpo. Ele pode nos alimentar e nos fortalecer, mas também é nele que podemos nos afogar. O que precisamos descobrir para saber navegar em suas ondas, passar pelos “tsunamis” e aprender a flutuar nesse balanço, aproveitando também o calor do sol e a brisa dos dias de calmaria?

O que precisamos descobrir para não perder o “equilíbrio” diante de toda essa “impermanência da vida”?

Aprendemos a viver vivendo. Mas, quanto realmente somos afetados pelas nossas experiências? Desde quando e por que nós somos como somos e o que está posto à prova a cada momento?

Quanto somos de fato “vulneráveis” ao que nos acontece?

Cientistas tentam desvendar os efeitos do ambiente sobre nossa formação, naquela época em que ainda estávamos no útero de nossas mães e logo depois, durante os primeiros meses e anos de vida. Nesse período, os filhotes em geral, inclusive nossos bebês, estão se desenvolvendo e organizando as circuitarias cerebrais, as vias e as conexões que estabelecerão o modo de “pensar e agir” perante as situações. Sendo assim, os bebês devem ser cuidados, alimentados e protegidos para que se desenvolvam bem. Enquanto mães e pais estão cuidando e defendendo seus filhos, estes não precisam fazê-lo sozinhos e, assim, podem se dedicar a sua organização e crescimento. Caso a relação entre pais e filhos seja abalada, pode haver impacto sobre o desenvolvimento e também consequências para os filhos.

Em laboratório, filhotes de ratos recém-nascidos afastados do contato com a mãe, uma vez por dia durante os primeiros dias de vida, podem apresentar na fase adulta alterações em comportamentos “programados pelo instinto”. O mais impressionante dessas descobertas é que as mudanças são observadas em reações que ocorrem naturalmente e se repetem há muitas e muitas gerações. Ou seja, deveriam estar firmemente determinadas e não serem passíveis de influências “circunstanciais”. Por exemplo, ratos naturalmente têm medo de gatos. O reconhecimento do predador desencadeia em um rato uma sequência bastante organizada de reações: primeiro, tenta fugir; se não pode, fica completamente imóvel, provavelmente para passar despercebido; e, no caso de o predador tentar atacá-lo, ataca também, o que parece a resposta mais desesperada por sobrevivência: o confronto em luta.

Bem, quando adultos, aqueles animais que na infância passaram por experiências estressantes não apresentam essas mesmas reações perante o predador. Em um dos modelos mais comuns, os filhotes são mantidos no contato da luva na mão do experimentador, durante alguns poucos minutos por dia, nas duas primeiras semanas de vida. Na presença de um gato, esses ratos podem chegar até a estabelecer contato direto, aparentemente sem medo algum. Muitas vezes, até os gatos se “espantam” diante de tão “inesperada” atitude dos ratos. E, em outro momento, quando postos diante de um parceiro sexual, ao invés de apresentarem intenso comportamento reprodutivo, os animais precocemente estressados chegam a repelir o parceiro. Inclusive, podem até se tornar estéreis. Imagine!

O que será que o estresse na infância provocou nesses ratos, que chegou a produzir uma “nova programação” em seu comportamento? E, o mais grave, essas modificações podem trazer péssimas perspectivas a sobrevivência e manutenção para esses animais. Aquela experiência aversiva precoce parece provocar um abalo no “sistema de auto-preservação” desses indivíduos.

Recentemente, tem-se questionado se essas alterações citadas seriam permanentes ou estáveis. Já é sabido, por exemplo, que o impacto do estresse pode ser mesmo diferente dependendo da fase da vida em que ocorre. Enfim, tentamos comparar o que observamos em laboratório com o que acontece na vida fora dos limites “controlados”.

Como as nossas experiências nos influenciam, desde nosso desenvolvimento até nosso funcionamento ao longo da vida? Como nós, humanos, reagimos em situações que nos ameaçam? O que determina nossas tomadas de decisão, nossas escolhas, nossas respostas? O quanto somos capazes de nos “regenerar” a cada experiência traumática? Por outro lado, o quanto nos tornamos melhores ou mais felizes a cada experiência boa na vida?

Observe que novas experiências podem modificar o efeitos deixados por anteriores. Ou seja, não somos afetados permanentemente por uma ou outra experiência, mas nos transformamos, a cada nova experiência. E isso acontece quando aprendemos com cada situação que experimentamos. E assim vamos construindo a nós mesmos, ou pelo menos nos descobrindo mais.

Considere uma reflexão: a vida pode até ser, sim, como “um mar de rosas”... afinal, rosas - tão macias e perfumadas - também têm lá seus espinhos. Ou pode ser como uma trilha bastante irregular, com suas curvas, elevadas e depressões... Faz parte.

Tudo se aproveita, de tudo o que a vida nos oferece. Mas, não há porque carregar junto todas as “pedras” que encontramos pelo caminho. Aprendamos com elas. Podemos nos fortalecer, como o atleta que levanta pesos e aumenta sua força física.

Podemos nos tornar mais fortes com nossas experiências. Mas, lembremos de cultivar os encantos e nos deleitar com as belezas em nossas vidas. Isso mantem e nutre nossa essência com as maravilhas.

Somos seres maravilhosos em essência.

Assim, apóie-se nas pedras do caminho para subir e encontrará a brisa. Renove-se com a brisa. Encontre a luz em cada novo amanhecer. Exponha-se à luz que descobrir e alimente-se dela, para refleti-la em cada manifestação sua.

O universo é generoso e só se ilumina mais ainda a cada centelha de luz partilhada.

Isabel Amaral Martins
Bióloga, mestre e doutora em neurociências
Pesquisadora em comportamento e interações sociais.
(artigo publicado na revista Novos Rumos: Ciência & Saúde, edição de junho. http://www.portalnovosrumos.com.br/)